STF continua defensor intransigente da liberdade de imprensa ou mudou de lado?

Capitaneados por Alexandre de Moraes, os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal mostraram-se dispostos, na última quarta-feira (29), a inaugurar um capítulo sombrio na história da corte.

Como se ignorassem que o STF tem longa tradição na defesa inequívoca da liberdade de imprensa, resolveram flexibilizá-la; como se desconhecessem a relação vital entre democracia e liberdade de informação jornalística, cercearam esta e arriscaram aquela; como se pudessem desconsiderar a Constituição, deram as costas para ela.

Não são outras as consequências do julgamento sobre um pedido de indenização feito ao Diário de Pernambuco por conteúdo publicado em 1995, no qual o STF deliberou que o veículo de comunicação pode ser responsabilizado na esfera civil pelas declarações de um entrevistado que impute falsamente prática de crime a terceiro.

O que seria apenas uma decisão absurda tomada por um órgão judicial adquiriu outra dimensão quando o Supremo, sem necessidade, optou por extrapolar do caso concreto para o universal, fixando uma tese geral a ser utilizada como baliza em situações semelhantes.

De acordo com o STF, na hipótese de um entrevistado atribuir a outrem a prática de um crime, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada se, “à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação” e, ao mesmo tempo, o veículo não tiver observado “o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos”.

Ainda que a dupla condicionante tenha em tese o condão de demonstrar quão excepcionais devem ser as circunstâncias para possibilitar a sanção, seu efeito pode ser o oposto: a nova regra abre mais brechas do que fecha e deixa a imprensa mais vulnerável.

Os pequenos veículos, em particular, sem recursos para manter um departamento jurídico, ficarão à mercê do que juízes entenderão como “indício concreto” e “dever de cuidado” —um prejuízo de monta para a liberdade jornalística, sobretudo quando se conhece o grau de promiscuidade entre poderosos país afora.

Mesmo a chamada grande mídia, em tese mais capacitada para enfrentar o assédio judicial, poderá vir a exercer alguma autocensura, sacrificando a circulação da informação para evitar arbitrariedades.

Mede-se o tamanho desse golpe pela régua da Constituição, que rechaça qualquer embaraço à “plena liberdade de informação jornalística”. Repita-se, por ênfase: plena.

Embora o julgamento tenha sido encerrado, e a tese geral, estabelecida, ainda há tempo de minimizar seus efeitos mais nocivos. É imperioso que o relator do acórdão, Edson Fachin, afaste ambiguidades da decisão, dirima dúvidas e esclareça se o STF continua defensor intransigente da liberdade de imprensa ou se mudou de lado.

Opinião- Folha de São Paulo

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