Juízes que citam Lei de Abuso em decisões correm risco de prevaricação

Encarada por uns como um importante instrumento para conter excessos de agentes públicos e garantir o Estado Democrático de Direito e, por outros, como mera resposta do mundo político ao combate à corrupção, a Lei de Abuso de Autoridade é tema controverso no meio jurídico. A percepção é de que a norma foi bem recebida por magistrados de instâncias superiores, mas encontra resistências no restante da categoria.

Antes mesmo de ser sancionada houve intensa discussão sobre os vetos que poderiam ser impostos pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao aprovar a Lei, ele vetou 36 dispositivos, contidos em 19 artigos. Dos vetos presidenciais, 18 foram derrubados pelo Congresso.

A Lei entrará em vigor em 2020, mas juízes já citam o texto da legislação em decisões. Levantamento do Jornal Nacional, da Rede Globo, apontou que até o início deste mês mais de 40 juízes já haviam usado dispositivos da Lei em suas decisões. Muitas delas foram noticiadas pela ConJur.

Em um dos casos, a juíza Pollyanna Cotrim, de Garanhuns (PE), justificou sua decisão por “imposição” da Lei de Abuso de Autoridade e mandou soltar 12 acusados de tráfico de drogas e armas. A magistrada fez duras críticas à nova legislação.

“Se o Congresso Nacional, pelos representantes eleitos, teve por desejo impor essa lei aos brasileiros, o fez com o amparo democrático, cabendo ao juiz, a quem não compete ter desejos, limitar-se a aplicá-la e aguardar a definição de seus contornos pelos Tribunais Superiores. Assim, diante da imposição da soltura por força da Lei aprovada pelo Congresso Nacional, expeça-se o competente alvará de soltura em favor dos acusados”, afirmou na sentença.

Além do caso de Garanhuns, negativas de penhora judicial via sistema Bacenjur também têm sido frequentemente justificadas com base na Lei de Abuso. O tom das decisões é quase sempre crítico.

Risco de prevaricação
A mera citação da nova lei pode ser uma prática problemática, segundo especialistas ouvidos pela ConJur. Um dos fatores é a previsão do artigo 319 do Código Penal, que define a prevaricação como: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Para o jurista Lenio Streck, magistrados que têm se utilizado de decisões para criticar a nova legislação cometem um erro. “Não é possível que um juiz deixe de decretar uma preventiva, se for o caso, e baseie a sua negativa em uma lei que ainda não está em vigor. Do mesmo modo, deixar de conceder a liberdade de alguém com base em receio de ser processado com base em uma lei sem validade é algo que tangencia, perigosamente, a prevaricação. No primeiro caso, a sociedade tem direito de ver o réu ou indiciado preso; no segundo, o indivíduo tem direito a liberdade. Nas duas pontas o juiz erra. É caso de corregedoria, no mínimo. Além disso, trata se de tentativa explícita de jogar a opinião pública contra o parlamento e o STF, que julgará uma ADI sobre isso”, comenta.

Um desembargador federal do Tribunal Regional Federal (TRF-3), que preferiu não se identificar, também viu problemas nas decisões recentes. “Juiz está aí para distribuir justiça e servir a sociedade. Com seriedade e dentro da lei. Isso é gestão sindical, inteiramente imprópria ao nosso âmbito, à atividade jurisdicional”, argumenta.

Já o juiz federal Ali Mazloum lembra que a lei ainda não está em vigor e, portanto, não deve ser enquadrada nas decisões. “É um absurdo o juiz usar desse mecanismo, transigir com o Direito, com a Justiça, para impor sua vontade, ou para impedir que a sociedade, por meio do seu Congresso Nacional legisle. A gente [juízes] precisa se colocar no lugar”, diz.

Intimidação e ameaças
Não são apenas juízes que têm citado a Lei de Abuso de Autoridade em suas decisões. Um advogado citou a nova legislação em uma petição e o juiz Leonardo Christiano Melo, da Vara de Itirapina (SP) se sentiu ameaçado.

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