Filhas da corte: os perigos do quinto constitucional

Para o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), a advogada Marianna Fux, 32, é ‘respeitada’ e ‘brilhante’.

Na avaliação de Ophir Cavalcante, ex-presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o currículo da colega Leticia Mello, 37, ‘impressiona’.
A mesma opinião tem o experiente advogado José Roberto Batocchio: ‘É uma advogada com intensa militância, integra um grande escritório, com ampla atuação no Rio’.
Meses atrás, o mais novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, exaltou as qualidades de Leticia numa carta enviada a desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região [sic], com jurisdição no Rio e no Espírito Santo. Em troca, ela prestigiou a posse dele no STF.
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As duas advogadas são filhas de ministros do Supremo. Com poucos anos de advocacia, estão em campanha para virar desembargadoras, juízas da segunda instância.
Filha do ministro Luiz Fux, Marianna lidera as apostas para substituir o desembargador Adilson Macabu, que se aposenta no Tribunal de Justiça do Rio nesta semana (…)
Filha do ministro Marco Aurélio Mello, Letícia pode conseguir coisa parecida. Ela foi a mais votada numa lista submetida à presidente Dilma Rousseff para o preenchimento de uma vaga no TRF do Rio.”

O quinto constitucional são advogados e membros dos ministérios públicos indicados para os tribunais de segundas instâncias (TRFs, TJs etc) e superiores (STJ, TST etc). O nome já diz, um quinto (20%) dos magistrados dessas cortes se tornaram magistrados não porque progrediram na carreira de magistrados, mas porque foram nomeados pelo chefe do Executivo (presidente ou governador).

Vamos deixar os personagens da matéria acima de lado e focar no problema que ela levanta:

A lógica do quinto constitucional é que os tribunais, como órgãos de revisão de decisões das instâncias inferiores, precisam ser compostos por pessoas que tenham perspectivas que possam ser diferentes do magistrados de carreira. Se fossem compostos só por magistrados de carreira, haveria o risco de o tribunal perpetuar os vícios da primeira instância. Daí buscarem pessoas que normalmente estão defendendo (advogados) e outras que normalmente estão acusando (Ministério Público).

Esses ‘novos ares’ são importantes, mas temos que tomar cuidado com alguns dos riscos envolvidos no quinto constitucional (o mesmo vale para o STF, que é nomeado mais ou menos com os mesmo critérios, embora os indicados não venham de listas e não são necessariamente advogados ou membros do Ministério Público).

Primeiro, o fato de alguém vir de fora de uma instituição não significa que sua visão será diferente daquela dos membros da instituição. Se são nomeados por uma mesma pessoa – presidente ou governador – basta que quem nomeia só nomear quem se conformar com sua visão de mundo. Mesmo que a matéria-prima seja diferente, o processo de nomeação pode facilmente peneirar a diferença, deixando passar apenas aqueles que são idênticos.

Existe também os riscos de perpetuarmos quem nomeia no poder.

Como os cargos de magistrados são vitalícios, uma vez dentro, o magistrado nomeado pelo quinto não sai mais (exceto se quiser). Isso serve para proteger o magistrado contra influências políticas depois de nomeado. Mas também impede que um magistrado que deve favores a quem o indicou ou nomeou possa ser removido. Ou seja, ainda que um presidente, governador ou parlamentar passe pelo crivo popular a cada quatro anos, os magistrados que nomearam ou pelos quais fizeram lobby permanecem lá até se aposentarem. O presidente sai, mas seu pupilo fica.

Existe também o risco de o chefe do Executivo acabar nomeando alguém que esteja profissional, intelectual ou emocionalmente despreparadas para o cargo.

Primeiro temos que lembrar que o chefe do Executivo é bom em política (e, algumas vezes, em administração). Ele não tem a obrigação de ser um bom jurista. Logo, ou ele confia em quem indicou o magistrado (o que nem sempre é totalmente transparente) ou ele tem de usar seu ‘tino’ para saber se alguém é bom jurista ou não. Óbvio que isso cria um risco.

O chefe pode acabar nomeando alguém não que seja bom juridicamente, ou esteja preparado para o cargo, mas alguém que seja bom em marketing pessoal. Ele pode acabar escolhendo o parente, o amigo, o ex-advogado, o bonito, o que fala bem etc. Enquanto isso, os realmente bons juristas podem acabar esquecidos porque, bem, estão mais interessados em estudarem as leis e pensarem do que em fazerem lobby.

E como é que o presidente pode saber se o nomeado realmente é bom o suficiente para ser magistrado? Sabemos que os magistrados de carreira atendem um grau mínimo de conhecimento jurídico porque passaram por um exame de seleção técnica. Mas se olharmos o histórico de alguns magistrados que entraram pelo quinto constitucional nos tribunais brasileiros, veremos que muitos tentaram diversas vezes ingressarem na magistratura por meio de concursos, mas falharam. Ou seja, em algum momento entre suas falhas iniciais e o momento da indicação eles não só adquiriram conhecimento técnico suficiente para entrarem na magistratura, mas o suficiente para se igualarem aos magistrados mais experientes.

E aqui entra um outro problema: muitos saem dessa posição na qual não são bons o suficientes sequer para se tornarem magistrados em uma pequena comarca no interior para se tornarem magistrados em tribunais em um tempo muito mais rápido do que aqueles que foram bons o suficientes para passarem em concursos para juízes de primeira instância.

Óbvio que para o magistrado de carreira, isso acaba desmotivando. Afinal, ele, que estudou e passou em um concurso ainda está batalhando para chegar ao tribunal, enquanto aquele que sequer conseguiu ser aprovado no mesmo concurso já está lá.

– Transcrito do Jornal Folha de São Paulo

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