Síldilon Maia: quanto custa uma lei inconstitucional e quem paga a conta?

Em meio à pandemia do Covid-19, os legisladores municipais têm levado a sua criatividade ao extremo e, em um ano em que certamente ocorrerão eleições municipais, vêm criando as mais variadas normas sobre direitos diversos, muitas vezes sem nenhuma competência sobre o tema, muitas vezes sem sequer ter a capacidade de iniciativa da lei.

Alguém já se perguntou quanto custa uma lei inconstitucional e quem paga essa conta?

A administração pública não gera riquezas, apenas distribui serviços públicos e rateia os seus custos entre os contribuintes. Quando se coloca dinheiro em um determinado setor, inevitavelmente será retirado dinheiro de outro. Administrar, essencialmente, pode ser resumir em escolher as prioridades que receberão investimentos, já que a quantidade de recursos disponíveis nunca será suficiente para atender a todos.

Tentarei exemplificar com dois casos concretos. As Leis Municipais de nºs 5.027/2017 e 5.083/2018, do Município de Caicó (RN), de iniciativa do Poder Legislativo, concediam a redução de 50% da carga horária do servidor público municipal responsável por parente com alguma deficiência física ou mental. O caráter humanitário da lei é inegável, porém o município não tinha condição alguma de reduzir tal carga horária e, neste ponto, o vício de iniciativa foi o menor problema. Perceba-se que, no corrente ano (2020), o sistema federal de repasse para os municípios dos recursos do Sistema Único de Saúde passou a considerar a população cadastrada no cartão do SUS. Cerca de 1/3 (um terço) da população não se encontra cadastrada e grande parte dos agentes comunitários de saúde, responsáveis por fazer tal cadastramento, encontravam-se com a carga horária de trabalho reduzida. Nas palavras da Procuradora-Geral do Município no ano de 2019, Mayara Gomes Dantas, “quando consideramos as reduções de carga horária de responsáveis por pessoas com deficiência junto com licenças ou demais afastamentos, o município não conseguia dispor sequer de 20% da força de trabalho em tal classe de trabalhadores”.

Ou seja, quando mais se precisa de recursos na saúde, não se conseguia sequer cadastrar os habitantes do município no Sistema Único de Saúde, resultando em um déficit de recursos. O município corria o risco de perder milhões de reais no seu orçamento já no ano de 2020. E não é só. Ao suspender tais leis, o voto condutor da medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade nº 0805927-18.2019.8.20.0000 (Des. Amílcar Maia) destacou o seguinte:

“A permanência dos efeitos das Leis Municipais nº 5.027/2017 e nº 5.083/2018 (…) mostra-se potencialmente prejudicial a administração pública do Município de Caicó, por repercutir na eficiência da prestação do serviço público aos munícipes, pela redução da jornada de trabalho de parte de seus servidores, bem como proporciona um aumento nos gastos com pessoal com a contratação de mão-de-obra nova para suprir as necessidades de pessoal para a prestação dos serviços públicos ofertados à população pela municipalidade”.

Por outro lado, o Código Tributário do Município de Caicó previa no inciso VI do art. 225 a isenção de IPTU para os servidores públicos municipais. Além de criar um privilégio totalmente proibido pelo art. 150, II, da Constituição Federal de 1988, e pelo art. 95, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, o referido dispositivo gerou uma renúncia de receita seguramente superior a 10 milhões reais nos últimos 7 anos. E aqui temos que atentar para outro detalhe: em meio à pandemia do covid-19, os professores contratados provisoriamente para a rede municipal de ensino, que vinham se desdobrando para atender ao alunado carente por meio virtual, mesmo sem o município dispor de sistemas próprios para as aulas, acabaram sendo demitidos em razão da frustração de receitas decorrente da crise. Mais de uma centena de profissionais da educação ficaram desempregados, alguns milhares de crianças pobres ficaram sem serviços educacionais. Não havia dinheiro para pagar a conta.

Sabe aquela isenção de IPTU? Daria para cobrir a folha de pagamento anual de tais profissionais, com sobra. Na data de hoje (1º.07.2020), o Plenário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte suspendeu tal isenção (ADIn 0808231-87.2019.8.20.0000, Des. Amaury Moura Sobrinho). Cabe agora ao prefeito a decisão de recontratar tais profissionais ou destinar os recursos para outra área.

Leis inconstitucionais custam milhões de reais e sempre será o pobre que irá pagar a conta. Mas, pobre não tem dinheiro, como é que paga? Paga com dignidade e com sofrimento, meus jovens, isso quando não paga com a própria vida.

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