Não parece que o mundo está se desfazendo como uma bola de lã?

Pensando sobre este ano que poderia acabar mais cedo, os adjetivos descritivos que vêm à minha cabeça são “horroroso”, “demente”, “deprimente” e “tristemente inesquecível”. Para este gringo de natureza otimista, essas palavras são preocupantes. Não parece que o mundo está se desfazendo como uma bola de lã nas patas de um gatinho, girando fora de controle cada vez mais rápido?

Que sejam os primeiros efeitos da crise ambiental piorando; os horrores inimagináveis de refugiados sem teto e sem país, procurando nada mais que um espaço seguro para viver; e os escândalos políticos e sexuais se propagando como uma epidemia em qualquer aspecto da vida moderna, o que vemos ao nosso redor é a insensibilidade crua da indiferença crônica e a rejeição simples da realidade.

Quando desejamos aos nossos amigos e conhecidos “boas festas” e um próspero Ano Novo, isso se trata de expressões sinceras de preocupação e esperança ou seriam clichês mecânicos com um pouquinho mais de importância que o ritualístico “tudo bem” nas nossas trocas diárias com amigos e estranhos? A mídia está transbordando com tantas histórias de fake news que descobrir a verdade se torna cada vez mais difícil.

Sou lembrado do que parecia com uma simples caixa de correio construída na parede do quartel-general da velha Inquisição espanhola em Cartagena (Colômbia), onde as pessoas podiam colocar acusações falsas ou verdadeiras contra seus inimigos, invocando assim a famosa Inquisição a agir, levando frequentemente às torturas horríveis de inocentes do outro lado daquela parede.

Uma das coisas que considero mais louvável na cultura brasileira é o nível geral de civilidade e gentileza que eu vivo no dia a dia. As pessoas saem da rotina delas pra se ajudar. Apesar da burocracia cansativa e dos vários cidadãos frustrados, nervosos e barulhentos, manifestações de rua raramente explodem racialmente ou socialmente e geralmente acabam em festas. Isso não é verdade hoje em dia nos Estados des-Unidos e em grande parte do mundo.

Frank Bruni escreveu no New York Times:

“Graças principalmente às mídias sociais, que incentivam ofensas e em seguida aumentam elas, nossas conversas engrossam. Nossos compassos giram loucamente. Descemos ao denominador comum mais baixo, nos tornamos o que supostamente abominamos. Regularmente fico chocado com crueldade confundida com esperteza e desumanidade confundida com convicção.”

Eu argumentaria que culpar mídias sociais por nos puxar para o denominador comum mais baixo pode ser uma violação da tradição de “não atirar no mensageiro”. Mas o fato que uma pesquisa recente descobriu que, na média, as pessoas checam o celular ou outros equipamentos eletrônicos 85 vezes ao dia, gastando quase cinco horas navegando, sugere que o equipamento é um pouco mais que um mensageiro passivo.

Como escreveu Emily Parker no New York Times, “plataformas de mídias sociais ampliam nossos hábitos ruins, até os encoraja, mas elas não os criaram. O Vale do Silício não está destruindo a democracia – apenas nós conseguimos fazer isso”.

Seria conveniente culpar Donald Trump e, como disse Hillary Clinton, sua “base de deploráveis”. Mas como Niall Ferguson escreveu há pouco no “The Guardian”:

Trump é a encarnação do espírito da nossa era. Seus tweets – raivosos, rudes e desastrados – são apenas um sintoma de um declínio geral em civilidade que mídias sociais encorajam. No Twitter e Facebook visões extremas só perdem para fake news.

Um velho provérbio diz que precisão na fala inevitavelmente leva à precisão no pensamento (ou vice-versa). Se isso é verdade, a agressão verbal crua trocada entre o presidente americano e o ditador norte-coreano Kim Jong-un coloca ambos inevitavelmente no caminho certo para o que só pode ser uma guerra desastrosa. Civilidade não significa concordância mas ela provê a fundação para consideração atenciosa.

Há muitos hoje no mundo que gritam por consideração atenciosa.

Será que nossos representantes “democráticos” se tornaram tão não-democráticos e não-representativos? Será que o 1% mais rico usurpou o poder dos outros 99%?

Com a explosão de acusações de assédio sexual entre os mais ricos e famosos, será que inauguramos uma inquisição moderna que pode arruinar tanto inocentes quanto culpados e criar fronteiras arbitrárias e artificiais entre as interações naturais humanas?

Vamos destruir ótima arte de Mozart, Picasso e Woody Allen porque esses artistas foram descobertos errando aos olhos da sociedade?

O que estamos vendo enquanto este ano horrível termina é uma troca furiosa sem direção, barulho sem sentido, ação sem consideração e cada vez mais uma existência desprovida de humanidade.

Quando estivermos todos de branco e pulando em um só pé sobre as ondas, enquanto os fogos de fim de ano explodem, despedindo-se de 2017 e dando as boas-vindas ao Novo Ano, vamos decidir fazer dele um ano melhor que 2017.

*Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do HuffPost Brasil e não representa ideias ou opiniões do veículo. Mundialmente, o HuffPost oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

 

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