Imunoterapia contra a covid

Pessoas que tiveram casos fortes de covid-19 têm sido convidadas a participar de estudos em que os anticorpos produzidos por seu sistema imune são usados para tratar pacientes graves. Os anticorpos presentes no sangue do doador são injetados em pacientes graves na esperança de que ajudem a bloquear o espalhamento do vírus. Esse procedimento tem longa história. Seu uso mais antigo entre nós são os soros antiofídicos, injetados em pessoas mordidas por cobras venenosas.

Esses soros, que salvam vidas toda semana, são produzidos no Instituto Butantã, em São Paulo. Faz mais de um século que o veneno das cobras é coletado (aquela imagem das presas mordendo a beira de um copo de vidro com uma gota de veneno na ponta) e injetado em doses pequenas em cavalos. A dose não mata o cavalo, mas faz com que seu sistema imune produza uma grande quantidade de anticorpos contra o veneno. De tempos em tempo os cavalos doam involuntariamente parte de seu sangue. Os cientistas purificam os anticorpos presentes no sangue do cavalo e os colocam em frascos. É o soro antiofídico que encontramos nos postos de saúde espalhados pelo País.

Do mesmo modo que o cavalo produz anticorpos contra o veneno, pessoas com covid-19 produzem anticorpos contra o SARS-CoV-2. Esses anticorpos são produzidos pelos linfócitos B. O importante é entender que existem centenas ou milhares de tipos de linfócitos B no sangue de cada pessoa, cada um produzindo um tipo de anticorpo. Cada tipo de anticorpo se liga a uma região do SARS-Cov-2. Assim alguns se ligam às proteínas que estão nos espinhos da coroa (daí o nome de coronavírus), outros se ligam a componentes internos do vírus. Nosso corpo produz uma coleção de anticorpos, alguns deles capazes de bloquear a entrada do vírus na célula, outros que se ligam ao vírus mas não bloqueiam sua ação.

Hoje sabemos que o SARS-CoV-2 penetra nas nossas células quando suas espículas, compostas pela glicoproteína chamada S (S RDB , Receptor Binding Domain), se ligam a uma proteína de nossas células chamada ACE (Angiotensin Converting Enzyme). Quando essa ligação ocorre, estas colocam o vírus para dentro e ele começa a se reproduzir. Também sabemos que alguns dos anticorpos neutralizantes impedem essa interação porque recobrem a superfície do vírus, impedindo que ele interaja com a ACE e entre na célula. A grande novidade é que agora os cientistas conseguiram produzir anticorpos com essa propriedade em grande quantidade.

Os cientistas isolaram linfócitos B do sangue de dois pacientes chineses curados da covid-19. Os linfócitos B foram imortalizados, tornando-se capazes de se reproduzir fora do corpo humano de forma permanente, como se fossem uma célula cancerosa. Aí eles isolaram colônias dessas células, cada uma derivada de um único linfócito B. Cada uma dessas colônias (ou clones) produz um anticorpo diferente, contra diferentes partes do vírus. Após caracterizar mais de 40 anticorpos distintos os cientistas selecionaram dois anticorpos capazes de bloquear a entrada do vírus com grande eficiência.

Esses dois anticorpos, quando usados em conjunto, bloqueiam a entrada do vírus de maneira sinergética: o par tem um efeito maior que a soma de cada um isoladamente. Em pequenas quantidades, bloqueiam completamente a entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas. Como esses anticorpos poderosos são produzidos por colônias de células imortais, é possível produzi-los em grande quantidade e utilizá-los como remédios. Isso foi feito. Os anticorpos foram injetados em macacos e impediram a propagação do vírus. Pronto, os cientistas conseguiram uma espécie de soro anticoronavírus altamente efetivo. É a primeira droga que bloqueia a entrada do vírus nas nossas células.

Agora esses anticorpos serão testados em humanos. Se funcionarem, poderão ajudar pacientes com covid-19. Mas não estarão disponíveis tão cedo: os testes em humanos podem demorar meses ou anos. Além disso tratamentos que usam anticorpos são caros. Mas a notícia é boa, aparentemente já temos uma primeira versão de um remédio específico para o SARS-CoV-2.

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