Coisas do Brasil, por Nelson Motta

Nelson Motta, O Globo

Para uma geração que passou por uma ditadura militar, por inflações estratosféricas, diversas moedas e desvarios econômicos, por décadas de desmandos e corrupção impunes, é quase inacreditável a alegria de ver o ex-senador Luiz Estevão, o juiz Lalau, e, em breve, Paulo Maluf, devolvendo, juntos, mais de 500 milhões de reais ao Tesouro Nacional. Confesso que jamais imaginei viver esse dia.

Ainda mais inacreditável é ver ao vivo na televisão políticos governistas, banqueiros e empresários sendo condenados pelo Supremo Tribunal Federal por caixa dois e gestão fraudulenta.

E o melhor é que as primeiras condenações já bastam para levar vários à cadeia, firmando jurisprudência para condenar os corruptos e corruptores dos mensalões de Minas e de Brasília.

Se há dez anos uma vidente me fizesse essa profecia eu iria embora sem pagar a consulta, às gargalhadas. E a chamaria de louca se falasse de uma Lei da Ficha Limpa, que impediria políticos condenados pela Justiça de disputar eleições.

Se um roteirista me apresentasse a história real de Demóstenes e Cachoeira eu desistiria nas primeiras páginas, porque seria inverossímil e cheia de clichês.

O triste é que esses eventos tão extraordinários e surpreendentes para nós seriam a norma em qualquer país civilizado e democrático.

Em compensação, para as gerações que passaram por tantos dissabores, derrotas e descrenças no Brasil, essas conquistas têm muito mais valor e sabor do que para a geração do meu neto de 16 anos, que já começa a votar em um país democrático, que vai se civilizando aos trancos e barrancos. Não é só o futebol, o Brasil é uma caixinha de surpresas.

Mas não consegui explicar a um amigo americano o atual momento brasileiro: se nosso salário mínimo é de 325 dólares e a renda per capita anual de 11 mil dólares, como o custo de vida no Rio e em São Paulo pode ser igual ao da Flórida, que tem renda per capita de 44 mil dólares? Como os imóveis aqui podem ser mais caros?

Não há teoria econômica, ou esotérica, que explique. Talvez a velha expressão que ouço há sessenta anos, para o bem e para o mal: coisas do Brasil.

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